O Evangelho nos convida a ir além da simples definição e aplicação de uma sentença.
Jesus é o Pastor que deixa 99 ovelhas no abrigo e sai em busca daquela que se perdeu.
Por Cardeal Orani João Tempesta*
Dentro do Ano Santo Jubilar da Misericórdia, o Papa Francisco nos
pede que pratiquemos obras de misericórdia. Em comunhão com este vivo
desejo do Papa, que em todas as suas viagens internacionais acrescenta a
visita pastoral a um local significativo nesse sentido, nossa Carta
Pastoral recorda que no mês de janeiro nossa sugestão foi que tivéssemos
visitado os presos (versão popular nº 66). Porém, sempre é tempo
favorável para esta obra de misericórdia e principalmente para
incrementar a Pastoral Carcerária e também a Pastoral com os Menores
privados de liberdade. Necessitamos de muitas pessoas que, além da obra
de misericórdia, façam parte dessas pastorais.
Condenar uma pessoa à prisão é o resultado do julgamento que a
sociedade faz de quem cometeu um delito, visando afastá-la do convívio
social para proteger a sociedade de novos crimes e dar oportunidade à
pessoa condenada de corrigir-se. Ao perder a liberdade, em nosso país,
muitas vezes a pessoa perde sua dignidade humana devido ao estado das
prisões. Aqui vai um questionamento sério: será mesmo esse método único
de reeducação? Seria a prisão a única maneira de fazê-lo? De quem
realmente a sociedade precisa se defender ao ser atacada por pessoas que
cometem delitos?
Atualmente, no Brasil as prisões constituem um dos piores lugares em
que o ser humano pode viver. A prometida reeducação não acontece e o que
ocorre é exatamente o contrário. As pessoas saem “escoladas” para novos
delitos. Também a sociedade não se defende das pessoas perigosas, pois
elas continuam comandando seus grupos mesmo de dentro dos presídios.
Além disso, as prisões encontram-se abarrotadas, sem as mínimas
condições dignas de vida, e muito menos de aprendizado para o
prisioneiro. Os presos se sentem desestimulados a se recuperarem e se
reinserirem na vida em sociedade, e voltam a praticar mais e mais crimes
graves. A inexistência de uma legislação adequada e a lentidão dos
procedimentos judiciários são as causas básicas da superlotação. Aliás, a
morosidade dos processos penais, muitas vezes deixando a pessoa
aprisionada mesmo depois de vencida a pena, é um capítulo à parte.
Gasta-se uma fábula de dinheiro com prisões e com a justiça, e o país
está cada vez mais violento.
Ao fazer a leitura da Escritura na sinagoga de Nazaré, Jesus
explicita seu projeto de vida. Assume que veio realizar o que o profeta
Isaías havia anunciado sobre o enviado de Deus: "O Espírito do Senhor
está sobre mim, porque ele me ungiu para anunciar a Boa Nova aos pobres;
enviou-me para proclamar aos aprisionados a libertação, aos cegos a
recuperação da vista, para pôr em liberdade os oprimidos, e para
anunciar um ano da graça do Senhor”. (Lc 4,18-19).
Coerente com esse programa, Jesus manifesta o carinho cuidadoso de
Deus com os extraviados. Ele é o Pastor que deixa 99 ovelhas no abrigo e
sai em busca daquela que se perdeu (Mt 18,12); declara ainda que haverá
mais alegria no céu por um pecador que faça penitência do que por 99
justos que não precisam de penitência (Lc15,7).
Jesus é compassivo e paciente com os rejeitados. Só tem palavras
duras quando alguém se julga melhor do que os outros e faz de suas
virtudes ou de sua posição um motivo para negar-se diretamente aos
irmãos. Na parábola do fariseu e do publicano que foram ao templo para
rezar, Jesus não condenou as virtudes do fariseu, nem justificou as
falhas do publicano (Lc 18,10-14). O que Ele não admite é que nosso bom
comportamento nos torne orgulhosos, fechados, insensíveis às
necessidades e ao valor humano daqueles que têm outra história de vida.
A Igreja não propõe que se elimine o que chamamos de justiça. O
Evangelho nos convida a ir além da simples definição e aplicação de uma
sentença: ele quer que olhemos para a pessoa e façamos por ela algo mais
do que aquilo que uma lei pode exigir. Nossa justiça não pode ser
vingança no cumprimento frio das leis. Precisa ser uma justiça
regeneradora, curativa. Para nós, cristão, nos lembra de que "se vossa
justiça não exceder a dos escribas e fariseus, não entrareis no Reino
dos Céus". (Mt 5,20).
Na parábola do juízo final, Ele faz a lista das obras que abrem a
porta do céu e possibilitam entrar na alegria da presença de Deus: dar
de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, acolher os
desabrigados, vestir os nus, socorrer os doentes, visitar os presos (Mt
25,31-46).
Na Igreja Católica, para fazer este trabalho de visitas aos
encarcerados, temos a Pastoral Carcerária. A Pastoral Carcerária é a
mais gratuita de todas as pastorais. Ela representa de maneira admirável
a imagem de Jesus que vem salvar e morrer sem nada receber. É a
presença da Igreja nos cárceres, repetindo continuamente a indagação: o
que Jesus faria ou diria nessas situações? Como trataria essas pessoas?
Sua ação torna-se parte integrante da atividade missionária da Igreja,
constituindo um dever pastoral para todos os cristãos.
Esta pastoral busca promover, de modo eficaz e corajoso, os direitos
humanos consolidados no Evangelho e na Doutrina Social da Igreja.
Através da palavra, da ação e da colaboração mútua, visa comprometer-se
firmemente na defesa dos direitos individuais e sociais do homem e da
mulher que padecem nos cárceres. Esse compromisso da Pastoral Carcerária
faz meditar as admiráveis palavras do Profeta Isaías: "Eu, o Senhor, te
chamei com justiça, e tomei-te pela mão; eu te formei e te fiz como
aliança do povo, como luz das nações, a fim de abrires olhos cegos,
tirares do cárcere os presos e da masmorra os que moram na escuridão".
(Isaías, 42,6-7).
A ideologia laicista reinante em nosso país, confundindo o povo ao
propalar que sendo o Brasil um estado laico nada se poderia conceder às
religiões, difunde essa falácia muito difundida por interesses
ideológicos. As dificuldades para os católicos visitarem algumas prisões
em alguns Estados são notórias. Além disso, o Estado acredita que só
aprisionando as pessoas em verdadeiros depósitos humanos resolvem os
problemas, quando na verdade estão piorando a situação. Esquecem que o
que dá sentido à vida da pessoa são os ideais que norteiam sua vida, em
especial os valores da transcendência. Ao dificultar essas visitas
religiosas, colocam ainda mais o ser humano preso nas mãos da revolta e
da indignidade. Não existe programa de reinserção válido e muito menos
de acompanhamento da família. As leis existem, os textos existem, mas
infelizmente são letra morta.
Diante desta necessária ação pastoral, somos convidados a unir nossas
ações e orações por todos que fazem parte desta pastoral e pelos
encarcerados, para que tenham melhores condições e que se sintam tocados
por Deus para dar novos significados para suas vidas.
Gostaria aqui de convidar a todos para rezar e se possível fazer uma
visita para estes nossos irmãos que se encontram muitas vezes à margem
da sociedade. Unamos nossas intenções neste Ano da Misericórdia e
façamos, a exemplo do Papa Francisco, que sempre que possível vai ao
encontro dos nossos irmãos presidiários. Somos Igreja, e a Igreja tem
que estar presente na vida e neste lugar.
*Cardeal Orani João Tempesta: Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ).
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