Na América Latina, a Teologia Feminista tem sua ascensão nas Teologias da Libertação.
Por Tânia da Silva Mayer*
A Teologia Feminista é um ramo da teologia que pretende investigar as
relações de gênero no interior da Tradição cristã e das Sagradas
Escrituras, com o objetivo de que sejam identificadas as razões pelas
quais o “feminino”, e a “mulher” foram rebaixados, ao longo da história,
a uma espécie de gênero de segunda categoria. É Tarefa dessa teologia
fazer um discurso responsável sobre Deus, considerando as vozes
“femininas” das pessoas hoje e de personagens bíblicos silenciados e
pouco explorados nos estudos de teologia e nas práticas litúrgicas das
Igrejas cristãs.
Na América Latina, a Teologia Feminista tem sua
ascensão na esteira das Teologias da Libertação. Essas teologias são
marcadas por profunda opção preferencial pelos pobres, conforme a práxis
libertadora de Jesus, narrada pelos testemunhos bíblicos. Os primeiros
anos das teologias da libertação, os anos 60, excetuam-se pela ênfase na
libertação sócio-política-econômica. É a libertação das estruturas
históricas de opressão que furtam a dignidade da pessoa
latino-americana. Mas aqui se fala dos sofredores na perspectiva do
“pobre” e do “injustiçado”. O recorte de gênero só ganharia relevância a
partir dos anos 70, que é quando as vozes dos negros, dos índios e das
mulheres ecoam no interior das comunidades e da academia, provocando o
nascimento da teologia afro, da teologia índia e da teologia feminista.
A teologia feminista latino-americana, conservando o caráter de partir
da práxis história de Jesus e da análise social para o fazer teológico,
vai além dessas teologias da libertação ao ir ao encontro das mulheres
exploradas, silenciadas pelas ditaduras militares, das mulheres escravas
sexuais de seus senhores, das mulheres impedidas de estudar e de
ascender social, econômica e culturalmente. A teologia que se produz a
partir do sofrimento concreto das mulheres “pobres” da América Latina
pode ser chamada de teologia feminista latino-americana.
A
teologia feminista, no sentido geral, e no sentido específico da América
Latina e do Brasil, criticará a fundo o modelo machista-patriarcal no
qual se consolidou o ocidente cristão. Esse modelo
antropológico-cultural fundamenta-se ao redor de tudo aquilo que diz
respeito ao universo do varão-europeu, macho biológico, adulto e
heterossexual. Ele enfatiza uma superioridade natural do masculino sobre
o feminino e, nesse sentido, do homem sobre a mulher. Os indivíduos
biologicamente machos gozam de atributos superiores aos das fêmeas. Se
esses são fortes, racionais e ágeis, estas são sensíveis, emotivas e
pacientes.
Esse modelo machista-patriarcal promoveu (e promove),
durante séculos, a completa inexistência social, econômica, política e
cultural das mulheres. Ainda hoje se constata pouquíssima presença das
mulheres em cursos universitários que tenham um cunho mais racional; em
atividades em que a força física e a agilidade são exigidas. Mesmo no
Brasil, onde a maioria da população é do sexo feminino, pode se contar
nos dedos a participação de mulheres na política.
As violências
cometidas contra as mulheres (e contra o feminino) foram sempre
justificadas responsabilizando-se as vítimas. Sua sexualidade foi
compreendida como objeto de satisfação do desejo do homem e para o
homem. Por isso, não raras vezes, mulheres são agredidas nos seus corpos
no tocante ao sexo forçado, o estupro. O modelo machista-patriarcal não
somente invisibilizou as mulheres como também justificou sua exploração
e marginalização ao longo das épocas, fazendo-as se sentirem culpadas
diante da violência sofrida.
A tradição judeu-cristã foi
construída sobre as bases do modelo machista-patriarcal. A história de
Deus com seu povo foi lida numa perspectiva masculina, e personagens
bíblicos do universo masculino foram destacados por sua fidelidade (ou
infidelidade) ao Deus libertador. É aos homens que foi confiada a missão
de construir e guiar, até a Terra Prometida, o povo de Deus. As
profetizas, as juízas, as mulheres subversivas do povo, foram deixadas a
um lado, e, quando muito, aparecem sob as sombras dos seus irmãos, pais
e maridos, englobadas nos ciclos patriarcais.
A teologia que
seguiu o/ao modelo machista-patriarcal contribuiu e contribui ainda hoje
para a sujeição do feminino e da mulher no interior das Igrejas e nas
sociedades, de maneira geral. A teologia feminista latino-americana, ao
questionar as estruturas profundas do patriarcalismo na América Latina,
percorre um caminho de libertação da teologia na libertação do feminino e
das mulheres.
* Tânia da Silva Mayer é Mestra e Bacharela em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje).
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