A família é um lugar extraordinário de descoberta da diferença. Esta descoberta se faz pouco a pouco. No começo da relação do casal, na lua de mel: “Tu és a mulher mais bonita do mundo!”, “Não! Tu és o mais bonito dos homens!”.
Estamos em pleno idealismo. Há nisso algo de muito
belo! Depois, rapidamente, nós descobrimos que o outro não é somente
qualidade e beleza. Há nele – e em nós – luz! Mas há também trevas,
angústia, medo. Progressivamente, a partir da lua de mel, começa a
tarefa de aceitar o outro como ele é, de descobrir sua beleza profunda,
sem se deter no superficial.
Uma beleza frágil
Que descobrimos? Que o ser humano é, ao mesmo
tempo, de uma maravilhosa beleza e de uma imensa fragilidade! Que temos
necessidade uns dos outros, que o outro nos revela nossas próprias
feridas, nossos próprios bloqueios… São, por exemplo, as discussões sem
fim para saber se compramos queijo prato ou mussarela. Ou, no carro, se
vamos por esta ou por aquela rua… Eis que por qualquer motivo estamos no
ponto de puxar um revólver! Significa que somos bem frágeis! Porque, no
fundo, dobrar à direita ou à esquerda não tem verdadeiramente
importância! Mas há em nós uma necessidade de provar que temos razão e
que o outro está errado, uma necessidade de ser superior, um medo de ser
agredido.
Jesus destaca essa fragilidade do homem quando diz:
Por que olhas o cisco no olho de teu irmão e não enxergas a trave que
há no teu? Como podes dizer ao teu irmão: “deixa-me tirar o cisco do teu
olho”, se tens uma trave no teu? (cf. Mt 7,3-5). É tão fácil ver os
defeitos dos outros! Mas admitir nossos defeitos, nossos próprios erros,
é muito difícil! Nós temos sempre uma trave em nosso olho que nos
impede de enxergá-los. A vida em família nos permite descobrir esta
realidade através das discussões, problemas ou conflitos. É preciso
estar engajado numa relação para chegar a esta revelação e a este
reconhecimento de nossa fraqueza. É uma passagem obrigatória para nossa
libertação. Se nos recusamos a admitir tudo que é, em nós, ferida, erro,
pobreza, pecado, infidelidade, jamais poderemos crescer.
A cura
Se uma família desempenhou seu papel de revelador,
ela pode também ser o lugar da cura através de uma experiência
absolutamente simples e bela: o perdão.
O perdão consiste em aceitar que o outro é outro,
com suas feridas e fragilidades, e que ele tem o direito de viver assim
como ele é. É também a aceitação de que nós podemos mudar, ser
transformados. O perdão é algo extraordinário! É o dom fundamental de
Jesus para cada um de nós. É a base de toda relação humana. Não há
verdadeiras relações e, portanto, não há verdadeira vida familiar
enquanto não se chegou ao ponto do perdão.
Para aprender a perdoar é preciso quebrar nosso
egoísmo, é preciso derrubar este muro que construímos em volta de nós
mesmos para obrigar os outros a estar a nosso serviço. Isso acontecerá
por um dom de Deus. Mas também passará por certos conflitos. É a razão
pela qual não é preciso ter muito medo dos conflitos em família ou na
comunidade. Na verdade, esses conflitos nos revelam mutuamente nossas
feridas e ao mesmo tempo podem nos ajudar a procurar mais aquilo que nos
une. Não somos absolutamente ridículos ao discutir por um queijo? Não
há coisas mais importantes que nos unem? É preciso viver sempre em um
mundo de competição? É preciso ter sempre razão? Se nós nos colocamos
estas questões por ocasião dos conflitos que encontramos, não iremos
descobrir, pouco a pouco, quem somos verdadeiramente e nos acolher tal
qual nós somos?
Não é fácil amar a si mesmo. Nós nos condenamos ou
nos colocamos sobre um pedestal, nos acreditamos ser da elite ou nos
mergulhamos nos abismos, na depressão… Entre estes extremos, descobrir e
aceitar quem e oque nós somos na realidade é um longo aprendizado. A
família pode ser o lugar privilegiado desse aprendizado porque pode ser o
lugar onde eu sou amado como sou, onde minhas fraquezas são perdoadas,
onde a compaixão e o perdão do outro me ajudam a carregar minhas
fragilidades.
O sentido da festa
Para que o perdão esteja no coração da vida
familiar, é preciso que ali haja comunicação, escuta, diálogo. Isto pede
uma decisão, uma escolha pessoal e livre para passar ao largo de meus
egoísmos, de me colocar à escuta do outro, para crescer em fidelidade. E
nem sempre é fácil. Descobri inúmeras famílias onde o diálogo se
rompeu, onde não se sabe muito bem do que falar, onde mal se fala de si
mesmo, de suas emoções, do que se vive. Há como uma espécie de medo de
se colocar à disposição. Estou também chocado por verificar como é
difícil para alguns casais cristãos orar juntos.
O perdão, o diálogo, a escuta necessitam de tempos
de celebração. Parece-me que um dos grandes problemas das famílias hoje é
que elas não sabem mais celebrar, regozijar juntos. Segue-se, mais e
mais, alguns péssimos hábitos americanos, como o fato de comer depressa.
Mas a refeição é algo importante. Algumas vezes, quando vou jantar em
alguma família, fico surpreso porque a televisão está ligada durante a
refeição. Porque eu estou lá, os anfitriões são muito gentis e baixam o
som. Mas, mesmo assim, é complexo: estar ao redor de uma mesa voltados
para uma pequena tela em vez de olhar uns para os outros. Mas é assim:
estamos em um mundo que menospreza a comunicação e a celebração
familiares.
Como reencontrar este senso de celebração e ter
tempo para estar juntos? Como se rejubilar porque Deus nos uniu, como
celebrar através de refeições, de música, de mímica, de dança, de
histórias…? Como celebrar nossa unidade? São questões importantes para
nosso mundo que passou da celebração para o espetáculo.
A maior riqueza
A família nos mostra que nossa maior riqueza está
no relacionamento. Minha maior riqueza és tu porque tu és um ser humano.
É teu coração, tua capacidade de comunicar, de amar, de viver, de orar,
de estar juntos. É esta riqueza que nós somos convidados a celebrar em
família: façamos festa ao amor, a festa do amor.
Esta celebração não é algo onde nós nos fechamos em
nós mesmos com aquela certeza de que somos os melhores. Uma celebração
verdadeiramente humana não pode jamais esquecer aqueles que sofrem e
aqueles que estão do lado de fora, é por isso que nossas celebrações na
Arca terminam sempre com uma oração pelos crucificados de hoje, aqueles
que são excluídos, aqueles que não celebram mais, porque não têm
família, nem comunidade.
Esperança para o nosso tempo
Uma família que perdoa, uma família que celebra,
uma família que se escuta mutuamente, uma família que tem tempo de estar
juntos será uma família fecunda, fonte de vida para as outras famílias.
Ela será sinal de que o amor é sempre possível sobre a terra, que nós
não estamos condenados à competição, à guerra, ao divórcio. Esta família
testemunhará uma comunhão que a ultrapassa porque encontra sua fonte no
próprio Deus.
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